Ruy-Cavalcante

Intervalo Cristão

O Evangelho de sinais e maravilhas

Por Ruy Cavalcante

Uma das consequências de todas as transformações que a igreja evangélica vem sofrendo nos últimos anos, especialmente com o surgimento do movimento neopentecostal, é a crescente ênfase nas experiências sobrenaturais (sensitivas) para fins de legitimar doutrinas, desenvolvendo assim o que alguns tem chamado de “Evangelho empirista”.

Importante destacar que esta preocupação exacerbada com experiências sobrenaturais não é, necessariamente, uma novidade no meio cristão. Na verdade, remonta aos tempos de Cristo.
Um texto muito utilizado por aqueles de defendem ser as experiências sobrenaturais de extrema importância não apenas para o fortalecimento da fé, como também para o crescimento da Igreja, é aquele presente no Evangelho de João, capítulo 6, verso 2, que diz:

“E seguia-o uma grande multidão, porque via os sinais que operava sobre os enfermos”.

Engraçado como muitos evangélicos se apegam a esta passagem para fundamentar a suposta necessidade que temos de sinais, prodígios e maravilhas. Com essa justificativa correm desenfreadamente em busca de milagres e, ao menor sinal de eventos “inexplicáveis” (geralmente se explicam com uma simples observação do emocionalismo envolvido) se atiram cegamente em movimentos que a própria bíblia condena, e se submetem inadvertidamente aos “profetas” que proporcionam tais sinais.

Mas como negar o que João afirma no texto acima?

Não há como negar. De fato, milhares de discípulos seguiam Jesus por causa dos milagres que Ele operava, mas se continuarmos lendo o texto sem estacionar neste único versículo, chegaremos na conclusão destes eventos e perceberemos que João descreve uma situação nada agradável aos profetas do neopentecostalismo. Por esta razão isolam o verso e ignoram o capítulo.

Pois bem, após essa afirmação, João continua seu relato. No mesmo capítulo fala a respeito de um dos milagres da multiplicação dos pães (v. 5-13), de como Jesus andou sobre as águas a caminho de Cafarnaum (v. 16-21), sendo logo seguido pela multidão (v. 22-24) dentre outras coisas, até que Jesus começa a anunciar-lhes a verdade, a dura verdade do Evangelho.

Fosse Jesus um líder neopentecostal, o resultado de sua pregação seria desastroso, assim como é desastroso para as pretensões dos profetas do evangelho empirista. Vejamos o que João relata ao final do capítulo.

“Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? (…) Por causa disso muitos dos seus discípulos voltaram para trás e não andaram mais com ele”. (Jo 6:60, 66)

Perceberam o que aconteceu?

Os adeptos do evangelho empirista se revestem da primeira afirmação de João, mas esquecem de que, quando Jesus resolveu pregar, falar a verdade, expor o verdadeiro Evangelho, o resultado foi bem diferente. Bastou Jesus pregar o Evangelho para eles irem embora, para eles O abandonarem. Os sinais não mantiveram a fé daqueles que o seguiam.

Sobrou até para os apóstolos. Jesus já sabedor da falsidade que impera sobre aqueles que buscam sinais, lhes diz: “Quereis vós também retirar-vos?” (Jo 6:67).

A resposta de Pedro não inclui qualquer ênfase nos milagres que poucas linhas atrás haviam sido narradas por João. Ele responde: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6:68). Pedro entendia que o Evangelho sim era poderoso, que apenas ele teria poder para salvar. Todo o resto era inócuo, o Evangelho de Cristo era-lhes suficiente!

Mas aqueles que o seguiam por causa dos sinais não eram verdadeiros discípulos, foram embora não querendo se submeter ao Evangelho. Ora, nada poderia ser mais falso do que essa fé baseada em experiências sobrenaturais.

Lembram-se da primeira aparição de Jesus aos discípulos, após a ressurreição? Lembram-se de como Tomé duvidou que se tratasse realmente de Jesus? Jesus precisou mostrar-lhe suas feridas para que ele cresse, mas em seguida advertiu: “Bem aventurados aqueles que não viram e creram” (Jo 20:29).

Feliz mesmo é aquele que não precisou de sinais para crer, este sim teve fé, a verdadeira fé naquilo que não se pode ver (Hb 11:1), mas que ainda assim lhe deposita grande esperança.
Não é à toa que Jesus diz: “Uma geração má e adúltera pede um sinal; e nenhum sinal se lhe dará, senão o do profeta Jonas” (Mt 12:39).

Uma pausa para explicar essa afirmação de Cristo: O sinal essencial à humanidade é a morte e ressurreição de Cristo, tipificado por Jonas a passar 3 dias no ventre do “grande peixe” e depois ressurgir.

Finalizo dizendo que os sinais acompanharão aos que creem (Mc 16:17), ou seja, primeiro cremos, primeiro nos tornamos discípulos de Jesus, filhos de Deus, só depois é que os verdadeiros sinais nos acompanharão. Entendam, eles nos acompanham, jamais nós a eles, e eles não são motivadores da fé, mas consequências dela.

Engraçado como muitos de nós evangélicos lemos, mas não conseguimos enxergar uma vírgula além do que nos interessa. Que Deus tenha misericórdia e abra os olhos de seu povo.

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