O salmo 23 é um dos textos mais lidos de toda a bíblia. Há irmãos que nunca leram um único livro completo, mas já leram o salmo 23. Há outros que sequer abriram a bíblia noutra página, pois ela permanece na estante, aberta no salmo 23.
É muito fácil explicar a razão por este salmo ser tão lido e querido: Ele nos encoraja, nos consola e nos dá garantia de conforto em Deus, falando de socorro e prosperidade.
Há também algo bem interessante expresso nesse salmo, algo que inspira canções e entusiasma boa parte da atual geração gospel. Diz assim:
“Preparas um banquete para mim à vista dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice”. (Sl 23:5 – NVI)Obviamente a bíblia não se contradiz e esse texto está perfeitamente em sintonia com seu contexto e com a santidade de Deus. Em tempos da Lei, como bem sabemos, imperava a justiça, pois a Lei é justa.
Dessa forma, ao ser ferido, era justo que meu agressor sofresse o mesmo dano. Ele que se exilasse caso desejasse livrar-se da minha justa vingança. Olho por olho, dente por dente.
Além disso, os inimigos de Israel, à medida que esta nação permanecia fiel, eram derrotados pelas mãos de Deus, humilhados e despojados. Nisso tudo a Soberania de Deus era revelada, e era justa.
É disso que fala o salmista. Seus inimigos seriam ridicularizados enquanto ele seria abençoado com um banquete e prosperidade. Nesse contexto, seus inimigos estavam em estado de afronta contra Deus, por se levantarem contra seu povo, e por isso recebiam a justa punição.
Isso é importante destacar: Os salmos imprecatórios (nome dado aos salmos que refletem essa busca por juízo aos inimigos) referem-se sempre a uma perspectiva de inimigos do povo de Deus, não inimigos pessoais, como um vizinho que me afronta ou algum outro desafeto que surge em nossa vida.
Esta questão de “amigos” e “inimigos” de Deus, no AT, é mais complexa que isso, mas tento aqui apenas tornar mais claro o que começo a dizer a partir de agora.
Na plenitude dos tempos, entra em cena o Cristo prometido e então algo acontece. A misericórdia de Deus que sempre foi perfeita, se apresenta encarnada nEle. O justo morrendo pelo pecador. Deus perdoando aqueles que não mereciam perdão, pela sua Graça, de graça, por amor incondicional.
Diz a bíblia que:
“Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos”. (Ef 2:4-5 – NVI)
Entenda bem o que isso significa: Nós, que éramos inimigos de Deus, rebeldes, impuros, amantes de tudo que era contrário a Deus, fomos por Ele perdoados sem que déssemos a mínima para isso! Ele não poupou seu Único Filho para que nós, desprezando Deus, pudéssemos ser por Ele perdoados e salvos!
E o que Jesus fala a respeito de nossos inimigos pessoais? Ele por acaso ensina que reivindiquemos vingança? Ou que oremos a Deus pedindo juízo? Quem sabe um súplica para que Deus os ridicularize em nossa presença, como vemos ensinado em algumas canções? Bem, para tirar a dúvida, Cristo está com a palavra:
“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa receberão? Até os publicanos fazem isso! E se vocês saudarem apenas os seus irmãos, o que estarão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso! Portanto, sejam perfeitos como perfeito é o Pai celestial de vocês“. (Mt 5:43-48 – NVI, grifo meu)
“Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam. Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém lhe tirar a capa, não o impeça de tirar-lhe a túnica”. (Lc 6:27-29 – NVI, grifo meu)
Paulo acrescenta:
“Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou”. (Cl 3:13 – NVI, grifo meu)
E como foi que o Senhor nos perdoou?
Sem merecimento. Nós não merecíamos o perdão de Deus!
Como pode então agora, diante de uma realidade de amor e redenção, na qual Deus nos colocou, tendo recebido tão grande amor, misericórdia e perdão, desejarmos tão somente a ruína de nossos inimigos? Como podemos agora pedir a Deus que faça vingança, que os ridicularize ou que traga juízo sobre suas cabeças?
Misericórdia para nós, juízo para eles? Isso não reflete o Espírito de Cristo.
Não! Esse não é o espírito do verdadeiro cristão! O cristão perdoa! O cristão suplica a Deus, para que tenha misericórdia de quem o ofende!
Que história é essa de desejar estar no palco sendo aplaudido pelos meus inimigos? Que enredo é esse, onde Deus prepara um banquete para mim, diante de meus inimigos, exaltando-me, enquanto os ridiculariza? Estamos loucos? Esquecemos como fomos perdoados?
O mínimo que se espera de qualquer cristão é que ele também perdoe seus ofensores. Foi esta a oração que Jesus nos ensinou, que Deus nos perdoe “Assim como perdoamos nossos inimigos”.
Já imaginou se Deus resolvesse nos perdoar conforme nós perdoamos as outras pessoas? Seriamos fulminados!
Irmão, fuja dessa sede de vingança, isso não condiz com a jornada cristã na qual fomos inseridos por Jesus, pois no final de tudo, considerando todas as coisas, o que nos fará sermos reconhecidos como discípulos de Cristo é o amor que temos pelas outras pessoas (Jo 13:35).
Lembre-se sempre que nossos inimigos não são as pessoas e peça misericórdia, não juízo, e deseje o bem, não o mal, e busque comunhão, não a afronta.
Que Deus continue tendo misericórdia de todos nós.