Vozes da floresta ganham destaque na Flip 2025 e fortalecem literatura indígena no Brasil

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Escritoras da Amazônia e de povos originários protagonizam debates e mostram a força da oralidade e da resistência na 23ª edição da Festa Literária de Paraty

A literatura indígena conquistou espaço de protagonismo na 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece no Rio de Janeiro até este sábado (2). Uma das principais representantes dessa presença é a escritora Sony Ferseck, do povo Macuxi, que fundou a primeira editora independente voltada exclusivamente a autores indígenas no estado de Roraima.

Durante participação na mesa “Pluralidades editoriais e a criação literária”, realizada no Sesc Santa Rita, Sony compartilhou a trajetória de resistência por meio da escrita e da oralidade, destacando como a escuta dos mais velhos transformou-se em livros que preservam saberes tradicionais e fortalecem a identidade indígena.

“Dizer para um ancião que ele pode escrever um livro é muito poderoso. A literatura, nesse caso, não é só arte — é reconhecimento e existência”, afirmou Sony.

A autora é cofundadora da Wei Editora, criada em 2019. Sua obra “Weiyamî: mulheres que fazem sol” (2022), construída a partir de relatos orais, foi semifinalista do 65º Prêmio Jabuti — um dos mais importantes da literatura nacional.

Segundo ela, publicar em Roraima ainda é um desafio. Com apenas duas gráficas em todo o estado, os custos são elevados e há pouca estrutura editorial. A saída foi investir na impressão sob demanda, estratégia que permitiu a circulação de livros em pequenas tiragens financiadas de forma progressiva.

“Lançamos o primeiro cento [de livros], depois o segundo, e assim seguimos. A cada nova tiragem, essas histórias chegam a mais pessoas”, explicou.

Sony também lembrou o projeto Panton Pia’, dedicado a registrar histórias de vida e conhecimentos ancestrais contados por anciãos indígenas. Por não escreverem em português ou utilizarem computadores, os relatos foram transcritos, mantendo a essência da oralidade.

“Eles não escrevem, eles contam. São livros que nascem da fala, da memória viva da comunidade”, disse.

Para Sony, a arte é ferramenta de transformação:

“Acredito no poder da literatura para quebrar silêncios, ressignificar caminhos e dizer que nós somos possíveis em qualquer lugar.”

Outras vozes da Amazônia ecoam na Flip
Além de Sony, outras autoras da região amazônica enriqueceram a programação da Flip com suas trajetórias e produções potentes.

A poeta acreana Francis Mary, referência da geração mimeógrafo, participou da mesa “A quem pertencem minhas palavras?” com textos que denunciam as violências na floresta e celebram a memória coletiva dos povos amazônicos. Inspirada na luta de Chico Mendes, sua poesia mistura denúncia, natureza e resistência.

Na sexta-feira (1º), a artista visual Paty Wolff, nascida em Cacoal (RO) e radicada em Cuiabá (MT), discutiu a força da ilustração como linguagem narrativa própria no evento “Narrativas visuais para todas as idades”. Paty trabalha a fusão entre arte e literatura para públicos diversos.

Encerrando a programação especial das autoras da Amazônia, a multiartista Aliã Wamiri Guajajara participa neste sábado (2), às 11h, da palestra “Tecnologias do encantamento: entre o artesanal e o digital”. Escritora, performer e curadora, Aliã é filha de mãe Guajajara e pai Timbira, e transforma sua ancestralidade em arte contemporânea.

“A Flip é um espaço de afirmação. A literatura indígena existe, resiste e encanta. Que nossas memórias vivas ecoem cada vez mais”, declarou.

Um novo tempo para a literatura brasileira
A presença das autoras indígenas e amazônicas na Flip não apenas amplia a diversidade da cena literária nacional, mas revela o poder da palavra como elo entre passado, presente e futuro.

Em cada fala, livro ou performance, essas mulheres reafirmam que a literatura brasileira é feita de muitas vozes — e as vozes da floresta estão mais vivas do que nunca.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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