O Acre não aprendeu a ler
O levantamento do PNAD Educação, divulgado pelo IBGE escancara geografia da exclusão educacional na Amazônia
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) Educação, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na sexta-feira, 13, em 2024, mais de 64 mil acreanos com 15 anos ou mais ainda não sabiam ler e nem escrever uma única frase simples. O número representa 9,4% da população dessa faixa etária, quase o dobro da média nacional, que ficou em 5,3%.
A reportagem percorreu os dados e encontrou um mapa oculto de desigualdades que insiste em resistir ao tempo e aos governos: municípios indígenas e isolados, idosos esquecidos, mães sem creche para os filhos, e uma política pública que avança a passos tímidos.
O levantamento mostra que o Acre já chegou a reduzir significativamente a taxa de analfabetismo entre 2016 e 2022 — de 12,3% para 8,5%. Mas os últimos dois anos marcaram uma estagnação brutal. Desde 2023, o índice voltou a subir e se estabilizou em 9,4% em 2024, enquanto a média nacional caiu.
A situação se agrava entre os idosos: 32,1% da população com 60 anos ou mais não sabe ler nem escrever, enquanto a média nacional é de 17,4%. Ou seja, 1 em cada 3 idosos é analfabeto no Acre.
Entre os indígenas acreanos, o índice de analfabetismo chega a 24%, também superior à média brasileira, que é de 15,7%.
Quando se observa a escolaridade da população adulta, apenas 28,4% dos acreanos com 25 anos ou mais concluíram o ensino médio, abaixo dos 31,3% registrados no país. A média de anos de estudo no estado é de 9,8, frente aos 10,1 anos da média nacional.
A defasagem começa cedo: somente 16,8% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creches no Acre, enquanto a média brasileira é de 39,8%. Além disso, o estado lidera um dos piores indicadores de evasão escolar do país, com 22,2% dos jovens entre 7 e 17 anos fora da escola — o triplo da média nacional, que é de 7,5%.
Outro fator limitante para o desenvolvimento educacional é o acesso à internet. No Acre, apenas 84,5% dos domicílios possuem conexão, contra 92,3% no restante do país. A exclusão digital acentua ainda mais as barreiras de aprendizagem, especialmente em áreas rurais e comunidades isoladas.
Onde o analfabetismo mora
Nos cinco piores municípios do Acre, mais de 1 em cada 5 pessoas acima de 15 anos são analfabetas. Todos estão no Vale do Juruá e na fronteira com o Peru, onde a presença do Estado é mínima e a conexão com o restante do país se dá, muitas vezes, por rios e promessas não cumpridas.
Em Marechal Thaumaturgo, 22,8% da população com 15 anos ou mais é analfabeta. Em Feijó, o índice é quase idêntico: 22,7%. Já em Santa Rosa do Purus, 22,6% da população não sabe ler nem escrever. Os municípios de Jordão e Porto Walter também figuram entre os piores cenários, com taxas de 21,9% e 20,9%, respectivamente. Esses números revelam territórios onde o Estado quase não chega e onde o direito à educação segue sendo uma promessa distante.
Esses números contrastam fortemente com Rio Branco, onde a taxa é de 7,0%, e Brasiléia (11%). O padrão repete-se: menos acesso, mais exclusão.
Atraso de série e abandono escolar
Outro dado divulgado no levantamento é a defasagem escolar. No Acre, 11,3% das crianças entre 6 e 14 anos não estão na série adequada para a idade — o terceiro pior índice do país. O Plano Nacional de Educação (PNE) previa 95% de adequação até 2024, mas o estado ainda patina.
Pior: 22,2% dos jovens de 7 a 17 anos estão fora da escola, segundo a PNAD. O maior índice do Brasil.
Falta creche, sobra exclusão
Outro entrave grave está no início da cadeia educacional: apenas 16,8% das crianças de 0 a 3 anos estão em creches. No Brasil, esse número chega a 39,8%. A falta de vagas impacta diretamente a vida das mães, especialmente nas periferias de Rio Branco e nos interiores.
Sem acesso à creche pública, mulheres abandonam o mercado de trabalho, e crianças entram tarde no processo de alfabetização — o que aprofunda o ciclo de desigualdade.
Educação ribeirinha: o que ficou pelo caminho
O projeto “barco-escola”, que já foi vitrine da educação amazônica, hoje é peça de memória. O programa estadual Alfabetiza Acre, com 62 turmas ativas, atende menos de 10% da população que precisa aprender a ler — especialmente adultos e ribeirinhos.
