O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), voltou ao centro do noticiário nacional nesta semana após ganhar destaque no Portal UOL por um gesto que, para muitos, soa contraditório. Réu em uma ação penal no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato e fraude em licitações, Cameli assinou um decreto que institui o Código de Ética da Alta Administração Pública do Estado do Acre.
A cartilha ética, em vigor desde a última terça-feira, 13, estabelece diretrizes de conduta moral e integridade para secretários estaduais, presidentes de autarquias e demais agentes políticos de primeiro escalão. O documento afirma que esses agentes devem atuar com “retidão e honradez”, satisfazer o interesse público e se abster de “qualquer ato que importe em enriquecimento ilícito”.
No entanto, o próprio governador, responsável por implantar a cartilha, enfrenta acusações graves justamente por ferir esses princípios. Ele é investigado no âmbito da Operação Ptolomeu, deflagrada pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal, por supostamente comandar um esquema de desvio de recursos públicos por meio de contratos irregulares com empresas ligadas a seus familiares.
Segundo a denúncia aceita por unanimidade pela Corte Especial do STJ em 2023, Cameli teria liberado recursos para uma empresa contratada sem licitação — em um processo que envolvia subcontratação indevida e possível enriquecimento ilícito. A acusação aponta ainda o uso de propinas para aquisição de bens de luxo, incluindo um apartamento de R$ 5 milhões em São Paulo e um veículo de alto padrão.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, sustentou que a organização criminosa supostamente liderada por Cameli contava com núcleos político, familiar e empresarial. A CGU (Controladoria-Geral da União) identificou indícios de terceirização integral do objeto do contrato, prática proibida pela legislação vigente.
Apesar da gravidade das acusações, o governador permanece no cargo, mas está submetido a diversas medidas cautelares impostas pelo STJ: está proibido de sair do país, não pode manter contato com testemunhas ou investigados e teve bens bloqueados pela Justiça.
Código moral, cargos e contradições
Enquanto enfrenta as investigações, Cameli determina, via decreto, que seus assessores e secretários devem ser exemplos de moralidade. Entre os 38 artigos do Código de Ética, destaca-se o artigo 12, que proíbe o uso de recursos públicos para fins pessoais, políticos ou partidários. O artigo 13 exige idoneidade como pré-requisito para o exercício de funções públicas comissionadas. Já o artigo 15 veda expressamente o favorecimento pessoal, a prática de atividades antiéticas e o recebimento de remunerações ilegais.
Em outro trecho, o Código afirma que “a sociedade deve poder aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental”, destacando a importância da transparência e da impessoalidade no serviço público.
A cartilha também institui a criação de uma Comissão de Ética da Alta Administração, composta por três membros titulares e suplentes “de reputação ilibada”, escolhidos diretamente pelo governador. O colegiado terá como função orientar condutas e avaliar a integridade das ações administrativas dos agentes políticos.
Repercussão e contexto político
A publicação do Código causou repercussão imediata. No Acre, onde a crise de credibilidade da gestão tem se agravado com os desdobramentos da Operação Ptolomeu, o decreto foi visto por parte da classe política e da opinião pública como uma tentativa de reposicionamento institucional, em meio à tempestade judicial enfrentada por Cameli.
O UOL destacou o caso em reportagem nacional, chamando atenção para a dissonância entre o conteúdo do Código e a situação jurídica do próprio chefe do Executivo acreano. Especialistas em direito público ouvidos pelo portal afirmam que a iniciativa pode ter mais valor simbólico do que prático, especialmente diante da falta de independência dos membros da comissão nomeada pelo próprio governador.
Um gesto político em meio à tempestade
Embora o Código de Ética defenda princípios essenciais à boa governança, como integridade, clareza, decoro e impessoalidade, sua eficácia está diretamente ligada à conduta de quem o implementa. E nesse ponto, as investigações em curso lançam dúvidas sobre a credibilidade da cartilha lançada por Cameli.
Ao tentar regulamentar a ética no topo da administração estadual, o governador parece mirar mais na reconstrução da própria imagem do que, necessariamente, em promover uma transformação estrutural. Até que ponto o Código terá aplicação real ou servirá apenas como um manual retórico ainda é incerto. O que se sabe, por ora, é que a ética, no Acre, entrou oficialmente em cena — mas sob os holofotes da suspeita.
Foto: José Caminha/Secom