A recomendação do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) para que a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre) e a Secretaria Municipal de Saúde de Rio Branco (Semsa) suspendam a autorização de estágios e internatos de estudantes de medicina oriundos de instituições estrangeiras gerou forte repercussão no meio político e acadêmico. A medida, publicada nesta sexta-feira, 4, no Diário Oficial do MPAC, alerta para ilegalidades e riscos estruturais à rede pública de saúde, mas também expõe um dilema cada vez mais evidente: o Acre pode abrir mão de jovens profissionais da saúde justamente quando mais precisa deles?
Um dos primeiros a se manifestar foi o senador Alan Rick (União Brasil/AC), reconhecido defensor da revalidação de diplomas e da atuação de médicos formados fora do Brasil. Em entrevista exclusiva ao Correio OnLine, o parlamentar alertou que, se não houver mediação, a recomendação pode afetar diretamente a população mais vulnerável do estado.
“Nosso estado enfrenta um déficit crônico de médicos nos municípios mais vulneráveis, e uma recomendação dessa natureza pode, na prática, penalizar sobretudo a população que mais precisa da assistência pública — sem falar no sonho desses jovens”, afirmou o senador.
Alan Rick informou que já solicitou audiência com o procurador-geral de Justiça, Dr. Danilo Lovisaro, com o promotor Gláucio Ney Shiroma Oshiro e com o próprio autor da recomendação, promotor Ocimar da Silva Sales Júnior. Segundo ele, é fundamental apresentar a realidade do Acre e buscar alternativas legais que não excluam os estudantes de medicina formados no exterior nem agravem a carência de profissionais na Amazônia.
“Esse é um tema que já vínhamos discutindo com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e com o CRM do Acre, para os quais enviei ofício destacando que a medida desconsidera exceções previstas na própria Resolução nº 1.650/2002”, explicou.
O senador também destacou que o Acordo Arcosul-Mercosul, em vigor entre países sul-americanos, permite convênios legais entre universidades e hospitais dos países signatários, inclusive para estágios supervisionados. Na visão dele, a resolução utilizada como base pelo MPAC está desatualizada e não considera os novos instrumentos jurídicos disponíveis para integração entre sistemas de saúde da região.
“Defendo que as condições precisam ser viabilizadas pelo governo estadual, em parceria com o federal. É responsabilidade do Estado criar estruturas de acolhimento e supervisão, especialmente num cenário em que a Amazônia sofre com um déficit gigantesco de profissionais da área”, pontuou.
A Recomendação nº 0002/2025/PEDS do MPAC, no entanto, ressalta que muitos desses estágios têm sido autorizados sem a devida chancela do Ministério da Educação (MEC) e sem qualquer vínculo com instituições brasileiras credenciadas. Também alerta para os custos ao erário com supervisão técnica, estrutura hospitalar e disponibilidade de profissionais, o que exige planejamento rigoroso conforme a legislação federal.
Apesar do embasamento legal, Alan Rick considera que a medida se apresenta como mais um entrave burocrático num momento em que o Acre deveria estar discutindo soluções estruturantes para garantir acesso à saúde.
“Este é, sim, um entrave que não considera a realidade do Norte — especialmente o Acre, onde o déficit médico é alarmante. Já me reuni com o CFM, dialoguei com o CRM‑AC e agora solicitei formalmente essa audiência com o Ministério Público. Vamos analisar tudo de forma técnica e responsável, reforçando que a avaliação sobre os estágios e internatos deve ser feita pelo governo estadual e pelos hospitais públicos”, afirmou.
As secretarias de saúde do estado e do município têm 15 dias para responder oficialmente se acatarão a recomendação e quais providências pretendem adotar. O MPAC também alertou que o não cumprimento poderá ensejar ações judiciais, inclusive ação civil pública.
Mesmo com a recomendação em vigor, o senador acredita que ainda há espaço para diálogo e construção de soluções técnicas, jurídicas e institucionais.
“Nosso compromisso é buscar soluções que respeitem a lei, mas que garantam, sobretudo, o direito da população ao acesso à saúde e o direito dos estudantes de concluírem suas formações”, concluiu Alan Rick.