ARTIGO
O ar cheira a terra queimada. No quintal de uma casa na zona rural de Feijó, uma criança brinca entre galhos secos e tocos carbonizados. O vento que levanta poeira também levanta perguntas: como se constrói um futuro a partir de um solo morto?
Durante a 15ª Reunião Anual da Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas (GCF Task Force), o governador do Acre afirmou que “os índices de desmatamento precisam ser zero” e que “o estado deve assumir a liderança em um modelo inovador e sustentável”. A vice-governadora Mailza Assis endossou: “o Acre está comprometido com o meio ambiente”.
Mas a floresta não escuta discursos. Ela responde aos fatos.
Segundo levantamento do Global Forest Watch divulgado em 21 de maio de 2025, o Acre foi o estado que mais perdeu floresta primária proporcionalmente em todo o Brasil em 2024: 0,27% de sua cobertura original desapareceu. Foram 53 mil hectares destruídos em apenas um ano.
Floresta primária não se recompõe. Sua perda é definitiva. Ela guarda uma biodiversidade que não se repete, uma arquitetura ecológica forjada por milênios. Destruí-la é como apagar a primeira página de um livro que nunca mais poderemos ler.
Enquanto isso, os dados do INPE revelam que o estado teve um aumento de 17% no desmatamento no primeiro trimestre de 2025, com 350 km² de floresta derrubados. As queimadas também subiram: +29% em relação a 2023. Em setembro, Rio Branco liderou o ranking de pior qualidade do ar entre as capitais brasileiras.
Mas o governo insiste em um discurso de protagonismo. Promete rodovias “ambientais” e desenvolvimento “sustentável”. Ao mesmo tempo, reduz o orçamento para fiscalização ambiental de 0,8% em 2018 para 0,3% em 2024. É como tentar conter um incêndio com declarações vazias.
A realidade é que os projetos anunciados pelo governo, como a estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, não são caminhos para o futuro. São atalhos para o colapso. Não há rodovia sustentável sobre a floresta viva. Não existe progresso que comece por destruição.
Em vez de proteger o que resta, o governo do Acre entrega a floresta às chamas, com a mesma frieza com que entrega discursos a plateias internacionais. Os dados não mentem. Mentem os que escolhem ignorá-los.
A poucos meses da COP30, o mundo olha para a Amazônia. E o que vê no Acre não é exemplo. É alerta.
Porque o desmatamento não é apenas uma métrica ambiental. É uma sentença de morte para populações tradicionais, para cidades sufocadas pela fumaça, para um clima que colapsa.
Se o governo quer liderar algo, que lidere o silêncio. Porque a floresta já grita. E ninguém ouve.
Marcela Jansen é Jornalista, colunista política, assessora de Comunicação, editora-chefe e sócia proprietária do jornal O Correio e site Correio OnLine. Advogada na M|J Advogada Associada, pós-graduanda em Direito Eleitoral, Direito e Processo Penal.