EDITORIAL
A devolução de R$ 955 mil pela gestão do prefeito Tião Bocalom, recursos destinados à construção de casas de farinha em comunidades rurais de Rio Branco, não é apenas um ato administrativo. É um gesto político que escancara prioridades — e elas não incluem a agricultura familiar.
O valor devolvido, fruto de emenda do senador Alan Rick, poderia representar dignidade, renda e autonomia para dezenas de famílias produtoras. Ao ignorar a importância das casas de farinha, símbolo não apenas de tradição, mas também de subsistência e economia para zonas rurais, a prefeitura revela uma visão limitada e tecnocrática, que despreza a realidade de quem vive do próprio suor e da terra.
A alegação do prefeito de que as estruturas seriam “inúteis” soa como um tapa na cara dos pequenos produtores. Muitos deles ainda hoje ralam a mandioca no braço, em condições precárias, por falta de investimentos públicos. O argumento de que a gestão atual “não solicitou” a emenda é burocrático, frio e descompromissado com a função social de governar.
Diante disso, é acertada — e necessária — a iniciativa do Ministério Público do Acre ao abrir investigação. Mais do que técnica, a apuração precisa ser rigorosa, firme e com foco na defesa do interesse público. O Acre não pode normalizar a devolução de recursos que, em vez de fortalecer um setor estratégico, acabam voltando para a União por pura decisão política.
Não se trata apenas de identificar se houve ilegalidade. Trata-se de compreender se houve, no mínimo, negligência com a responsabilidade de fazer o recurso chegar onde mais importa: no campo, na comunidade, na mesa das famílias esquecidas pelas políticas urbanocêntricas.
Se há falta de planejamento, que se corrija. Se há desinteresse, que se responsabilize. Mas não se pode aceitar calado que R$ 955 mil sejam devolvidos num estado em que ainda falta farinha em casa.
A sociedade espera, com razão, que o Ministério Público vá até o fim.