Vídeo publicado pela filha de Gutiérrez expõe revolta com apreensão de mais de 400 cabeças de gado e abandono político; críticas atingem senador Petecão, Marina Silva e órgãos públicos
Um vídeo publicado no Instagram por Mariana Rodrigues, filha do produtor rural conhecido como seu Gutiérrez, está repercutindo intensamente entre produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. A gravação mostra o cenário de destruição após uma operação do ICMBio que apreendeu mais de 400 cabeças de gado e determinou o abate de todos os animais.
A estrutura do curral foi derrubada e, no vídeo, o produtor afirma que até uma ninhada de cachorros foi atingida pelos destroços. Chorando de indignação, ele denuncia o que considera um ataque à dignidade de famílias que vivem há décadas na região e dependem hoje da produção agropecuária para sobreviver.
“Isso aqui é a realidade: um cara que trabalha, que deu sangue. Uma vida inteira com meu pai. Mais de 30 anos trabalhando aqui dentro. Aí vem um vagab… eleito pelo povo e diz que nós somos fazendeiros. Aqui ninguém vive mais de borracha ou de castanha. Aqui é produção rural, é leite, é peixe, é sustento”, diz o produtor.
A revolta é direcionada especialmente ao senador Sérgio Petecão (PSD), que segundo os produtores chegou a levá-los a Brasília em busca de diálogo com o governo federal. Eles esperavam apoio. No entanto, após as operações do ICMBio, o senador apareceu ao lado do presidente do órgão, mas sem se posicionar claramente a favor dos pequenos criadores da Resex.
O vídeo, que tem forte apelo emocional e crítica direta às autoridades, também menciona a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O produtor a acusa de ignorar a transformação social e econômica da Resex.
O produtor também critica o silêncio do Ministério Público Federal, governo estadual, órgãos ambientais do Acre e outros membros da bancada federal.
“Que exemplo eu dou pro meu filho vendo tudo isso aqui destruído? Nenhum senador vem aqui ver a realidade. É fácil falar de Brasília, no ar-condicionado. Mas aqui é barro, suor, animal morrendo esmagado. É revolta.”
O novo perfil produtivo da Resex
A Resex Chico Mendes foi criada em 1990, com foco na proteção do extrativismo tradicional. No entanto, a realidade atual é de mudança no perfil econômico das famílias. Muitos migraram para atividades como a criação de gado em pequena escala, piscicultura e agricultura familiar, com pastos que somam, segundo relatos, menos de 80 hectares por propriedade.
Embora a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), permita nas reservas extrativistas a prática do extrativismo, da agricultura de subsistência e da criação de animais de pequeno porte, ela não menciona a criação de gado bovino, considerado de grande porte. Ou seja, a legislação não autoriza expressamente a pecuária tradicional como atividade principal nessas áreas.
Na prática, porém, muitas famílias que vivem na Resex Chico Mendes afirmam depender exclusivamente da criação de gado para sua subsistência. Alegam que o extrativismo — antes baseado na coleta de castanha e borracha — não garante mais o sustento mínimo, e que a criação de animais se tornou uma atividade adaptada à realidade econômica atual. Essas famílias vivem em pequenas propriedades, muitas vezes herdadas de pais e avós, e manejam áreas de 30 a 70 hectares, com produção de leite, peixes e derivados.
Já o ICMBio, responsável pela gestão da reserva, aplica o Plano de Manejo aprovado em 2010, que considera a criação de gado incompatível com os objetivos da unidade de conservação. A partir disso, o órgão tem emitido autos de infração, embargado propriedades e, em casos mais extremos, determinado o abate de rebanhos inteiros, como no caso da família de seu Gutiérrez, que teve mais de 400 cabeças de gado apreendidas.
Moradores denunciam que não há diálogo com os órgãos públicos e reclamam da ausência de políticas de transição econômica ou alternativas reais para substituição da pecuária. Também argumentam que o Estado ignora a função social da terra e os princípios constitucionais que asseguram o direito à moradia, ao trabalho e à dignidade.
O resultado, segundo eles, é a aplicação de uma lei ambiental sem considerar a realidade de quem vive na floresta, o que gera revolta, insegurança e sensação de abandono institucional.
