Estudo realizado em Maceió (AL) é o primeiro da América Latina a detectar partículas plásticas em cordões umbilicais de recém-nascidos
Um estudo inédito realizado em Maceió (AL) detectou a presença de microplásticos em placentas e cordões umbilicais de recém-nascidos. A pesquisa, publicada nesta sexta-feira (25) nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, é a primeira do tipo na América Latina e a segunda no mundo a confirmar a presença dessas partículas nos cordões.
Plásticos atravessam a barreira placentária
A descoberta foi feita por uma equipe da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), liderada pelo pesquisador Alexandre Urban Borbely, que coordena o grupo de pesquisa em Saúde da Mulher e da Gestação. Segundo ele, o resultado é alarmante: em 80% das gestantes analisadas, havia mais partículas no cordão umbilical do que na própria placenta — o que indica que os microplásticos estão ultrapassando essa barreira natural e chegando aos bebês ainda durante a gestação.
“Essa é uma fotografia do fim da gravidez. A pergunta que fica é: quanto plástico passou ao longo dos nove meses?”, questiona Borbely.
O que foi encontrado
As amostras foram colhidas de dez gestantes atendidas pelo SUS em dois hospitais públicos de Maceió. A análise foi feita com a técnica de espectroscopia Micro-Raman, que identifica com precisão a composição de partículas microscópicas.
Foram detectadas:
- 110 partículas de microplásticos nas placentas;
- 119 partículas nos cordões umbilicais.
Entre os materiais mais encontrados estavam o polietileno (presente em embalagens plásticas) e a poliamida (usada em tecidos sintéticos).
Comparação internacional
A pesquisa é continuidade de um estudo anterior feito em parceria com a Universidade do Havaí, que já havia identificado microplásticos em placentas de mulheres havaianas. No Havaí, a contaminação aumentou ao longo do tempo:
- 60% das amostras estavam contaminadas em 2006;
- 90% em 2013;
- 100% em 2021.
Apesar de todas as amostras brasileiras estarem contaminadas, elas apresentaram menos aditivos químicos do que as havaianas — o que, segundo os pesquisadores, pode estar ligado ao tipo de plástico consumido regionalmente.
Fontes de contaminação
A origem exata da contaminação é difícil de determinar, já que os microplásticos estão presentes no ar, na água, nos alimentos e até em embalagens. No entanto, Borbely aponta que a poluição marinha pode ser uma das principais fontes no contexto alagoano, já que o consumo de peixes e frutos do mar é alto na região.
Outro vetor importante é a água mineral envasada, especialmente quando os galões plásticos são expostos ao sol.
Novas etapas da pesquisa
A próxima fase do estudo prevê a ampliação para 100 gestantes, com o objetivo de investigar possíveis relações entre a presença de microplásticos e complicações na gravidez ou problemas de saúde nos recém-nascidos.
Para isso, está sendo criado o Centro de Excelência em Pesquisa de Microplásticos, com apoio da Finep e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Os resultados devem ser divulgados até 2027.
“Toda uma geração já nasce exposta aos plásticos. E o mais grave é que eles estão compondo o organismo desses bebês desde o útero”, alerta o pesquisador.
Impactos na saúde e necessidade de regulação
Estudos anteriores já indicam que alguns tipos de microplásticos causam alterações metabólicas e estresse oxidativo na placenta — fatores que podem afetar diretamente o desenvolvimento fetal. Há também indícios de relação entre determinados polímeros e casos de parto prematuro.
Diante dos dados, Borbely defende uma resposta mais ampla:
“Não basta apenas ações individuais. O Brasil precisa regulamentar a produção e descarte de plásticos, com controle rigoroso sobre as indústrias. Reduzindo a presença no ambiente, reduziremos também a presença no corpo humano.”