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De um lado, um empresário influente, com histórico de agressões e conexões dentro da segurança pública. Do outro, um gari que vestia a farda laranja e cumpria mais um dia de trabalho para manter a cidade limpa. Entre eles, uma discussão banal de trânsito que terminou com um tiro no peito e uma pergunta que ecoa: por que a vida de quem limpa a cidade parece valer tão pouco?
o gari Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, estava na coleta de lixo no bairro Vista Alegre, em Belo Horizonte, na última segunda-feira, 11, quando a motorista do caminhão reduziu a velocidade para permitir a passagem de um veículo BYD, conduzido pelo empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos.
Segundo testemunhas, Renê abaixou o vidro e disparou uma ameaça: “Se alguém encostar no meu carro, eu mato”. A advertência foi seguida por tensão. Os garis pediram calma, mas ele desceu armado, apontou a pistola e atirou. O disparo atingiu Laudemir nas costelas. A bala atravessou o corpo. Ele ainda foi levado ao Hospital Santa Rita, em Contagem, mas não resistiu.
Enquanto colegas tentavam socorrer o trabalhador, o atirador recolheu o carregador, guardou a arma e entrou no carro. Testemunhas relatam que ele partiu “frio, como se nada tivesse acontecido”.
Renê não é um nome desconhecido nos bastidores empresariais. Com formação em Administração e Marketing, dois MBAs e passagens por cargos de direção em empresas de alimentos, o agora réu é casado com uma delegada da Polícia Civil de Minas Gerais.
A arma usada no crime pode ser do mesmo calibre que uma registrada em nome da esposa, segundo o próprio Renê em depoimento, o que levou a Corregedoria da PCMG a abrir investigação paralela.
Além disso, ele acumula passagens anteriores por ameaça e lesão corporal contra uma ex-companheira — sinais de um comportamento violento já registrado pela polícia.
Preso em flagrante horas após o crime, em uma academia de luxo no bairro Estoril, Renê teve a prisão convertida em preventiva. Na decisão, o juiz ressaltou a “periculosidade acentuada” e o “total desrespeito à vida humana”.
O crime foi enquadrado como homicídio duplamente qualificado: por motivo fútil e por dificultar a defesa da vítima.
O peso da farda laranja
O assassinato de Laudemir expôs a vulnerabilidade dos trabalhadores da limpeza urbana. Diariamente, garis lidam com riscos físicos, intempéries e, muitas vezes, agressões verbais e físicas no exercício da profissão.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que trabalhadores da coleta de resíduos estão entre as categorias com mais registros de acidentes graves. Em algumas capitais, sindicatos relatam episódios de violência armada contra garis simplesmente por estarem no caminho de motoristas apressados.
Para colegas de Laudemir, a morte dele não foi apenas resultado de uma discussão — foi consequência de um ambiente social que invisibiliza esses profissionais e os expõe à violência sem oferecer proteção efetiva.
O caso também reacende o debate sobre a banalização da violência armada no Brasil. Nos últimos anos, o país registrou aumento de homicídios motivados por desentendimentos de trânsito, muitos cometidos com armas legalizadas.
A defesa de Renê sustenta que ele não estava no local do crime, mas imagens e testemunhos contradizem a versão. A investigação segue, com a expectativa de que o Ministério Público apresente denúncia formal nos próximos dias.