ARTIGO
Era para ser um dia de celebração. A inauguração do Complexo Industrial do Café, no coração do Vale do Juruá, representa mais do que máquinas e galpões: é símbolo de superação de um povo que, mesmo à margem das grandes decisões políticas, decidiu avançar. Mas em meio aos sorrisos e à esperança dos que vivem da terra, um vazio gritava mais alto que qualquer discurso: o da ausência do Estado.
Quando um governo se ausenta de um evento dessa magnitude, não é apenas uma cadeira que fica vazia. É o peso simbólico do abandono. É a ausência histórica que se repete justamente quando a periferia da Amazônia tenta escrever um novo capítulo com as próprias mãos.
O Complexo do Café é mais do que um investimento em infraestrutura. É um passo ousado rumo à industrialização do interior profundo. Representa independência para centenas de famílias que antes viam seus grãos saírem do Acre sem valor agregado e agora vislumbram a possibilidade de produzir, beneficiar e comercializar localmente. Em qualquer lugar minimamente comprometido com o desenvolvimento, um ato como esse seria acompanhado de perto pelas autoridades máximas. Mas não no Acre.
A ausência do poder público estadual em um evento como este não é casual. É sintoma. Sintoma de um modelo de gestão que ainda trata o Juruá como quintal distante, como apêndice esquecível de um projeto de poder concentrado na capital. A mensagem é clara: quando o povo cresce por conta própria, quando cooperativas, produtores e lideranças locais constroem alternativas reais de economia, o Estado vira as costas.
Essa ausência não é apenas física. É ausência de visão estratégica. É desprezo pela bioeconomia. É desinteresse por uma cadeia produtiva que alia sustentabilidade, geração de renda e permanência do homem na floresta. Pior: é falta de compromisso com a soberania regional. O café que hoje começa a ser beneficiado em Mâncio Lima carrega o sonho de um Acre que deixa de ser apenas fornecedor de matéria-prima para se tornar protagonista de sua própria economia.
A inauguração foi feita com recursos, parcerias e a luta de quem acreditou, apesar da lentidão e da omissão do poder público. Ali, produtores colocaram suas melhores roupas, prefeitos atravessaram longas distâncias e lideranças comunitárias seguraram o choro ao verem seus esforços materializados em concreto. O que faltou? Faltou o Estado. Faltou quem deveria estar na linha de frente da transformação, faltou o governador Gladson Cameli.
A ausência nesse sábado não foi apenas de uma autoridade. Foi a encarnação de uma lógica perversa: a de que só vale estar presente quando há palanque, holofote e dividendos eleitorais. Quando o palco é do povo, o poder se ausenta.
Mas o povo não parou. O povo do Juruá seguiu em frente. E talvez essa seja a maior força dessa história: a construção de um futuro que não depende mais da autorização de quem governa, mas da coragem de quem planta.
Foto do Cefas Queiroz