ARTIGO
O novo relatório do MapBiomas não poderia ser mais direto: em 39 anos, o Acre perdeu quase 2,7 milhões de hectares para o fogo. A cifra impressiona, mas não espanta. Por aqui, o cheiro de fumaça já se mistura ao ar que respiramos, e as paisagens carbonizadas tornaram-se parte do calendário seco. O que deveria gerar comoção, no entanto, escorrega pela indiferença política e pela normalização da tragédia ambiental.
Os dados da Coleção 4 do MapBiomas Fogo não deixam margem para dúvidas: a Amazônia queima — e o Acre é parte desse mapa de dor. Só em 2024, pela primeira vez, as florestas foram mais atingidas que as pastagens. E isso diz muito sobre o esgotamento do modelo que empurra o desenvolvimento à força contra os limites da floresta. Queima-se o que ainda resta de pé, às vezes sob o disfarce de manejo, outras tantas por puro abandono institucional.
O relatório revela que quase metade das áreas queimadas está em propriedades de até 500 hectares. Isso desmonta a tese de que o fogo vem apenas das grandes fazendas: pequenos e médios produtores, sem apoio técnico ou acesso a alternativas viáveis, mantêm o uso ancestral do fogo como ferramenta de abertura de áreas. O Estado falha, mais uma vez, em prover assistência, planejamento e fiscalização.
Mais do que um desastre ambiental, os números expõem um colapso de gestão e de prioridades. O Acre, que já foi celebrado como símbolo de sustentabilidade, hoje figura entre os que queimam sem conseguir conter ou reverter o ciclo. O fogo não é apenas produto da seca: é consequência da negligência, do enfraquecimento da política ambiental e da omissão diante dos alertas científicos.
Por que a política local permanece muda diante de dados tão graves? Onde estão os planos de contingência, os investimentos em brigadas permanentes, a inclusão de povos tradicionais e agricultores no debate sobre o uso do solo? A ausência de uma agenda climática robusta no Acre é sintoma da despolitização da crise ambiental — como se combater o fogo fosse uma tarefa técnica, e não profundamente política.
Mais do que combater incêndios, é preciso reacender compromissos. O relatório do MapBiomas pode e deve ser um ponto de virada — se for lido com a seriedade que exige. Os números não são frios: carregam histórias de comunidades sufocadas pela fumaça, de crianças com problemas respiratórios, de fauna calcinada e de um futuro queimada a queimada se dissolve.
Não é possível falar em desenvolvimento sustentável enquanto o solo fumega. O Acre precisa parar de queimar, mas para isso precisa, antes, voltar a se importar.