Foto: Sérgio Vale
Durante a 15ª Reunião Anual da Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas, governo do Acre defende imagem de liderança ambiental. Mas dados de desmatamento e queimadas revelam cenário oposto.
Enquanto o governador Gladson Cameli afirma que “os índices de desmatamento precisam ser zero” e que o Acre deve assumir a “liderança em um modelo inovador e sustentável”, os dados mais recentes — nacionais e internacionais — revelam uma realidade que contradiz frontalmente o discurso apresentado na quinta-feira, 22, durante a 15ª Reunião Anual do GCF Task Force, em Rio Branco.
De acordo com o Relatório de Desmatamento da Amazônia Legal, divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em abril de 2025, o Acre foi o terceiro estado com maior aumento percentual de áreas desmatadas entre janeiro e março, com alta de 17% em relação ao mesmo período de 2024. Foram mais de 350 km² de floresta derrubada no trimestre, concentrando-se principalmente nos municípios de Feijó, Sena Madureira e Manoel Urbano — todos na faixa da Transacreana.
Mas o dado mais contundente veio de fora. O relatório global do Global Forest Watch, divulgado na última quarta-feira, 21, mostrou que o Acre liderou em 2024 a perda proporcional de floresta primária no Brasil, com 0,27% da área total coberta por esse tipo de vegetação desaparecendo apenas em um ano. Trata-se de um indicador alarmante, considerando que a floresta primária é insubstituível do ponto de vista ecológico, por sua biodiversidade e papel na regulação climática.
Na contramão da imagem de “vanguarda ambiental” defendida por Cameli, o relatório do WRI aponta que o Acre perdeu 53 mil hectares de floresta primária em 2024, uma extensão superior à de muitos países da Europa. Proporcionalmente, o índice supera estados historicamente mais afetados, como Pará e Mato Grosso.
No mesmo evento em que o governador defendeu “rodovias sustentáveis” como alternativa de desenvolvimento, os sistemas de alerta do MapBiomas e do Imazon registraram que quatro dos dez maiores focos de desmatamento da Amazônia em 2024 estavam no Acre. Especialistas alertam que projetos de infraestrutura viária, como a estrada até Pucallpa, no Peru, podem acelerar ainda mais a degradação em regiões sensíveis, como o entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor.
Apesar das promessas de “combate intenso às queimadas”, feitas pela vice-governadora Mailza Assis na mesma ocasião, os dados oficiais também contradizem esse cenário. Segundo o Painel de Queimadas do INPE, o Acre registrou 12.487 focos de incêndio entre julho e novembro de 2024, um aumento de 29% em comparação com 2023. Em setembro, a capital Rio Branco chegou a registrar a pior qualidade do ar entre todas as capitais brasileiras, segundo o boletim do IQAir Brasil.
A retórica adotada pelo governo do Acre durante a reunião internacional se ancora na tentativa de reposicionar o estado como referência em bioeconomia e clima às vésperas da COP30, que acontecerá em novembro em Belém. Mas a distância entre discurso e prática é cada vez mais observada por organizações e parceiros internacionais. O próprio relatório do GCF Task Force divulgado em março de 2025 apontou o Acre como um dos estados com menor execução orçamentária em programas de REDD+ e restauração florestal.
Entre as metas não cumpridas, está o Programa ISA Carbono, lançado em 2022 com previsão de reflorestamento de 100 mil hectares até 2025. O último balanço disponível, de fevereiro deste ano, indica que apenas 9,3% da meta foi executada.
A afirmação de que “o Acre é um estado comprometido com o meio ambiente”, como sustentou a vice-governadora Mailza Assis, não se confirma na prática orçamentária nem nos indicadores ambientais. Dados da Secretaria de Planejamento do Acre mostram que os investimentos diretos em fiscalização ambiental, que representavam 0,8% do orçamento estadual em 2018, caíram para 0,3% em 2024.
As lideranças acreanas dizem buscar soluções e alternativas “sustentáveis” para os desafios climáticos. Mas os números demonstram que o estado, longe de liderar, ainda precisa enfrentar com seriedade os próprios retrocessos.
A reportagem utilizou dados públicos atualizados até maio de 2025, com base em relatórios de órgãos federais (INPE, MMA), painéis de ONGs (Imazon, MapBiomas), e informações extraídas de documentos do próprio governo estadual.
