Mulheres indígenas: as vozes que sustentam a floresta, a história e o amanhã

Foto rede social

Enquanto o país avança em discussões sobre transição ecológica e desenvolvimento sustentável, há quem carregue — há séculos — o conhecimento de como viver com a floresta sem destruí-la. São as mulheres indígenas da Amazônia, que transformam dor em força, invisibilidade em luta, ancestralidade em horizonte político. Seus corpos são território. E seus territórios, extensão viva da própria identidade.

Recentemente, essas vozes se encontraram no Acre para reafirmar o que o Brasil ainda hesita em compreender: que não há futuro possível sem escutar quem já habita o futuro com os pés plantados na terra. O que se viveu em Rio Branco foi mais que uma conferência — foi um levante feito de cantos, denúncias, memória e articulação.

Durante dois dias, lideranças femininas dos estados do Acre, Amazonas, Roraima e Mato Grosso debateram temas urgentes: o direito à terra, a violência persistente, as mudanças climáticas que ameaçam seus biomas e os desafios de saúde e educação em contextos de exclusão. A floresta falou. E falou com voz de mulher.

Não houve pedido de favor, mas exigência de respeito. Em falas carregadas de experiência e ancestralidade, as mulheres denunciaram o que os dados não revelam: a violência institucionalizada, o silenciamento histórico e a ausência de políticas públicas construídas com escuta real. Uma delas, emocionada, lembrou que “não estamos aqui apenas por nós, mas por todas as que virão”, deixando claro que essa luta é também pelo direito ao futuro.

A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, que participou da abertura, reconheceu a potência do encontro. Para ela, as conferências são espaços não só de escuta, mas de rearticulação da presença feminina na reconstrução do país. “É aqui que as mulheres compartilham seus desafios, suas possibilidades e tudo o que são capazes de sonhar e construir”, afirmou, em tom de comprometimento.

Resistência que brota das raízes: liderança indígena feminina molda nova era

Durante a conferência no Acre, duas vozes centrais da política indigenista brasileira sintetizaram o momento histórico vivido pelas mulheres da floresta. A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, afirmou que o país vive o início de uma nova era, marcada pelo protagonismo de mulheres indígenas que ocupam espaços antes negados. “Encontramos uma Funai desmontada, mas não desistimos da luta. A nossa raiz está forte, e outras mulheres continuarão essa caminhada”, declarou, destacando que a reconstrução institucional passa necessariamente pela presença feminina.

A força simbólica e política do encontro também foi enfatizada pela secretária Ceiça Pitaguary, do Ministério dos Povos Indígenas. Em sua fala, ela lembrou que a violência contra os corpos, territórios e saberes ancestrais persiste, mas é nesse mesmo chão ameaçado que germina a esperança. “Essa esperança tem rosto de mulher, de anciã, de jovem, de mãe, de liderança e de guardiã”, afirmou.

Vozes que germinam o futuro: escuta, denúncia e herança coletiva

A força da conferência realizada no Acre também esteve nas palavras de quem carrega, com coragem e ternura, a responsabilidade de construir caminhos para as próximas gerações. Juliana Alves, conhecida como cacica Irê, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), tocou o coração da plenária ao lembrar que o que está sendo construído agora é semente para um tempo que talvez elas mesmas não alcancem.

“Talvez a gente não esteja aqui para receber essas políticas no futuro, mas precisamos construí-las. Porque temos outras que virão. Eu preciso cuidar do futuro da minha neta, assim como de todas as que estão por vir”, disse, com a serenidade de quem entende que a luta é longa, mas essencial.

A secretária nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Giovana Cruz Mandulão, destacou o papel da conferência como espaço de escuta ativa e construção coletiva. Para ela, o momento é de reconhecer as vozes indígenas como protagonistas da formulação de políticas públicas.

“Estamos na nossa última etapa regional, fazendo essa escuta. O que a gente vem pra cá é pra ouvir todas vocês. Vamos pensar juntas políticas públicas que possam ser concretizadas a partir dessas discussões”, afirmou.

Invisíveis no Estado, centrais na resistência: o grito de Marinete Tucano

Entre as muitas vozes que marcaram a conferência no Acre, uma rompeu com força o silêncio institucional que ainda cerca as mulheres indígenas no Brasil. Marinete Tucano, coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), trouxe à tona uma verdade incômoda: mesmo sendo fonte de vida, são elas, as mulheres da floresta, que continuam ausentes dos dados, das decisões e das prioridades do Estado.

“Queremos viver, e não morrer nos braços do amor. Queremos que nosso território seja marcado por uma vida, porque afinal de contas somos nós, mulheres, que trouxemos a vida”, disse, em tom firme, rejeitando a romantização da dor indígena. Para Marinete, a invisibilidade é estrutural — e cruel. “No Estado brasileiro somos invisíveis, subnotificadas em toda estatística — da violência, do emprego, dos empreendimentos. E é por isso que estamos aqui: para construir os nossos direitos ou fortalecer aqueles que já existem.”

As palavras reverberaram no auditório como um alerta: o que está em jogo não é apenas a floresta, mas os corpos e as histórias que a mantêm viva. Marinete não fala só de exclusão — ela fala de reexistência. De um direito que se reinventa, mesmo quando ignorado.

Ao fim da etapa regional, foram eleitas as representantes da Amazônia que levarão essas vozes à plenária nacional da 1ª Conferência das Mulheres Indígenas, entre os dias 4 e 6 de agosto, em Brasília. Lá, junto da IV Marcha das Mulheres Indígenas, as sementes plantadas no Acre encontrarão novas terras para florescer. O lema que une essas trajetórias traduz o espírito de todo o movimento:
“Nosso corpo, nosso território. Somos as guardiãs do planeta.”

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