Lideranças indígenas, extrativistas, acadêmicas e gestoras públicas reivindicam respeito aos modos de vida, acesso real a políticas e o reconhecimento do papel feminino na preservação e produção na floresta.
O protagonismo das mulheres na preservação ambiental e no fortalecimento da bioeconomia amazônica foi o centro de um dos momentos mais intensos do TXAI Amazônia, realizado entre os dias 25 a 28 de junho, em Rio Branco. Intitulado “Gênero e a preservação do meio ambiente: o papel das mulheres da Amazônia no desenvolvimento da bioeconomia”, o painel reuniu lideranças indígenas, extrativistas, acadêmicas e representantes do poder público, que trouxeram experiências concretas, denúncias, críticas e propostas para que o papel feminino deixe de ser invisibilizado na formulação e execução das políticas ambientais e econômicas.
O debate partiu de duas perguntas centrais: de que forma as políticas públicas podem ser aprimoradas para ampliar a participação e o protagonismo feminino na bioeconomia e na preservação ambiental da Amazônia?; e quais casos de sucesso e experiências de liderança feminina podem servir de inspiração para novas gerações?
As falas das quatro painelistas mostraram que a resposta a essas perguntas exige mais do que discursos: demanda ação, financiamento e respeito.
Coordenadora regional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, Leide Aquino foi direta ao denunciar que políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) existem no papel, mas não funcionam na prática. “As mulheres produzem, vencem os editais, mas os governos não compram. O problema não é fome, é ausência de política pública que funcione até a ponta”, afirmou.
Ela ainda criticou a retórica que associa desenvolvimento ao desmatamento. “Dizer que preservar é atraso é ignorar que quem tem floresta vive com mais autonomia do que quem depende de recursos externos para comer”.
Leide defendeu políticas adaptadas às mudanças climáticas, acesso a tecnologias para lidar com estiagens e respeito aos modos de vida tradicionais. “Casa de palha não é atraso. É preconceito que marginaliza nossas escolhas.”
Reconhecimento do saber tradicional indígena
Coordenadora do projeto Raute e referência entre as mulheres Yawanawá, Júlia Yawanawá emocionou o público ao reivindicar o reconhecimento do saber tradicional indígena. “Nosso conhecimento vai além do artesanato. Tem espiritualidade, tem cura, tem sabedoria. A floresta cuida da gente, como a gente cuida dela”, disse.
Ela compartilhou o exemplo de mulheres Yawanawá que romperam tabus espirituais e passaram a liderar cerimônias ancestrais. “Elas nos ensinaram a nos valorizar. Hoje somos o Rauti, a proteção viva da floresta”, declarou.
Júlia também cobrou respeito às práticas alimentares dos povos indígenas e afirmou que fortalecer a alimentação tradicional é fortalecer a identidade, a saúde e a economia.
Desigualdade de gênero e exclusão econômica no campo
A Secretária de Estado da Mulher, Márdhia El-Shawwa trouxe à tona a relação entre desigualdade de gênero e exclusão econômica no campo. “Muitas mulheres vivem em situação de violência e não conseguem acessar crédito rural porque a terra está no nome do marido. Quando ele desaparece com o dinheiro, ela fica com a dívida”, relatou.
A secretária destacou ações da pasta para capacitar e empoderar mulheres rurais, inclusive com a tradução da Lei Maria da Penha para línguas indígenas como Huni Kuin e Manchinéri. “A gente precisa chegar com respeito nas aldeias, sem atropelar, ouvindo e construindo junto”, defendeu.
Márdhia citou como exemplo positivo as mulheres do Bujari, que romperam ciclos de violência por meio da agricultura familiar e hoje abastecem feiras na UFAC, no TRE e em bairros da capital. “Elas são exemplo vivo de que bioeconomia e dignidade podem andar juntas.”
A floresta clama por união
A administradora em formação, coordenadora da Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia e conselheira estadual, Shirusha Nenawa fechou o painel com uma fala forte e sensível. “Somos apenas 5% da população mundial, mas carregamos nas costas a responsabilidade pela proteção de 80% da biodiversidade do planeta. Isso não pode continuar invisível.”
Ela defendeu a inclusão das mulheres indígenas nas decisões sobre políticas públicas ambientais, o investimento em formação de lideranças e a valorização da comunicação indígena. “Nossa luta não é isolada. É pela Amazônia e por todos. Precisamos de consciência coletiva, de respeito, de escuta.”
Shirusha concluiu com um chamado simbólico: “a Amazônia nos chama. Juntas, somos a floresta que resiste, a água que flui, a vida que renasce.”
Mulheres amazônidas
O painel evidenciou o papel estratégico das mulheres amazônidas na promoção da bioeconomia, na adaptação às mudanças climáticas e na preservação ambiental. As participantes apresentaram experiências concretas em seus territórios e apontaram desafios persistentes para a efetivação de políticas públicas. A necessidade de ampliar o acesso a financiamento, formação técnica e reconhecimento institucional foi um ponto comum nas falas.
Uma das palestrantes destacou que ainda há um descompasso entre os programas criados e a realidade nas comunidades, e que “é hora de sair do papel e pisar na floresta”, em referência à urgência de ações práticas que atendam às demandas locais.