Foto: Antonio Nery
Fã do sambista, garoto cruzou o oceano escondido em avião da TAP aos 10 anos de idade, e emocionou o país com sua história
Uma história digna de cinema marcou a trajetória de Martinho da Vila com Angola: na década de 1980, um menino angolano viajou clandestinamente para o Brasil apenas para tentar morar com o sambista. O pequeno Gonçalves Antônio Sobrinho, de apenas 10 anos, embarcou sozinho em um voo da TAP em Luanda e desembarcou no Rio de Janeiro determinado a encontrar seu ídolo.
A ligação de Martinho com Angola é antiga e profunda. O cantor visitou o país pela primeira vez em 1969, ainda sob domínio colonial, e participou de diversas turnês culturais nos anos seguintes. Em 1980, durante uma excursão ao lado de nomes como Chico Buarque, Clara Nunes e Dorival Caymmi, o sambista conheceu Gonçalves, um garoto esperto e encantado por sua música, que passou a segui-lo durante toda a viagem.
— Ele sempre pedia para ir junto, e eu deixava. No fim, ele disse que queria me visitar no Brasil. Falei brincando que era só perguntar por mim em Vila Isabel — relembra Martinho.
A brincadeira virou realidade. Pouco depois da turnê, Martinho precisou ser internado no Rio por recomendação médica. E, enquanto se recuperava, um episódio inusitado surpreendeu o país: Gonçalves chegou ao Brasil escondido em um avião, enganou a imigração dizendo que a mãe vinha logo atrás e ainda pegou um táxi no aeroporto, pedindo para ir até a casa de Martinho da Vila — com apenas uma palavra anotada na mão: “Grajaú”.
Sem saber o endereço exato, o taxista levou o garoto até a Rádio Globo, onde o locutor Haroldo de Andrade fez um apelo público. A então companheira do cantor, Lícia Caniné, a Ruça, foi até a emissora e reconheceu o menino, que havia convivido com o grupo durante a turnê.
Com autorização judicial, Gonçalves passou um fim de semana com Martinho em Duas Barras, interior do Rio, antes de ser encaminhado de volta a Angola pelo Juizado de Menores. No breve período em que esteve com a família do cantor, passeou pela cidade, conheceu o Pão de Açúcar e se divertiu com os instrumentos musicais da casa.
— Era preciso ficar de olho o tempo todo. Ele saía andando, curioso com tudo — conta Martinho.
Após o retorno do menino ao seu país de origem, os dois perderam o contato. Mas o episódio reforçou ainda mais a relação de Martinho da Vila com Angola. O sambista seguiu sendo um elo entre os mundos cultural e musical dos dois países, gravando álbuns como Canto Livre de Angola (1982), participando de festivais internacionais e lançando livros como Kizombas, andanças e festanças (1992).
Mais recentemente, entre abril e maio deste ano, Martinho voltou ao país africano com o show Canto Livre de Angola, em celebração aos 50 anos da independência. A turnê agora chega ao Rio de Janeiro, com apresentação marcada no Circo Voador, reunindo sucessos do artista e homenagens à música africana.
— Vai ser um show alegre, pra todo mundo cantar e dançar junto — afirma Martinho.