Mara do Acre, a mulher da roça que virou símbolo de resistência na Amazônia

Foto Rede social

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Dois meses após a Operação Suçuarana, que resultou em embargos contra duas famílias da Reserva Extrativista Chico Mendes, a influenciadora rural Mara do Acre rompe o silêncio com coragem, dor e denúncia.

Era início de junho quando agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), acompanhados por forças policiais, realizaram mais uma etapa da chamada Operação Suçuarana. Na prática, a ação culminou na retirada forçada de uma família da zona rural da Resex Chico Mendes, e na apreensão de quase 400 cabeças de gado de outra família.

Em meio ao silêncio das autoridades e à paralisia de representantes públicos, uma mulher decidiu não se calar. Mara do Acre, influenciadora digital e moradora da zona rural, tornou-se o rosto de uma resistência que serviu de exemplo para muitas outras pessoas.

Mesmo sem ser diretamente afetada, ela assumiu a linha de frente de diversas manifestação que, inclusive, culminou na interdição da BR-317 por dias. “Eu não era dona da terra, nem do gado. Mas conheço cada rosto. E me recuso a me normalizar com o que é errado”, disse Mara em entrevista exclusiva concedida ao Portal Correio OnLine,

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O silêncio que grita

Mara revela os bastidores emocionais de uma luta que ultrapassa os limites de propriedade rural. Ao ser questionada se em algum momento das manifestações sentiu medo de repreensões, ela confirma que sim, mas responsabilidade social teve mais força.

“Sim, eu tive medo. Seria mentira dizer que não. Mas a minha consciência falou mais alto. Se ninguém fizesse nada, eles iriam continuar fazendo tudo. E eu não aceitei isso calada”, desabafa.

Mara se refere à expulsão de seu Josenildo, que sequer teve o direito de retirar os animais da propriedade.
“Nem o leite da filha pequena ele pôde garantir. Foi arrancado com a roupa do corpo. E isso é uma violência que vai além da terra, atinge o ser humano em cheio”, relata.

Do outro lado, seu Gutierrez, um produtor com quase 400 cabeças de gado, perdeu todo seu rebanho.
A retirada foi acompanhada de bloqueios, embargos e ausência de qualquer reparo legal ou social por parte do Estado. “Foi ali que eu vi que alguém precisava gritar. E se fosse pra ser punida, que fosse. Mas injustiça não se engole em silêncio”, diz.

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Voz que protege

Durante a ocupação da estrada federal, Mara virou escudo. “Não porque sou melhor do que ninguém. Mas porque falei quando muita gente estava com medo de dizer. E eu sei o peso que tem uma palavra quando é dita com verdade.”

Naqueles dias, sem descanso, sob sol e risco de repressão, Mara usou seu corpo como barreira e sua voz como proteção. E mesmo sem apoio institucional, ela afirma: “O silêncio deles nunca vai ser maior que a voz do povo”.

Seus atos reverberaram longe. Passaram pelas porteiras da Resex e chegaram aos grupos de mulheres da zona rural, que passaram a se posicionar com mais firmeza. “Aos poucos fui percebendo os olhares, as mensagens. Mulheres me dizendo que se sentiam representadas. Que eu dei coragem pra elas”, conta, emocionada.

Mara reconhece que não nasceu para ser símbolo de nada, mas a história escolheu seu rosto. E ela aceitou o chamado. “Eu sigo sendo quem sou. Com meus medos. Mas agora sei que a coragem de uma mulher pode acender a coragem de muitas outras.”

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Um grito que não termina

Dois meses após a operação, nada foi reparado. As famílias seguem desamparadas, e o Poder Público, ausente.
Mas Mara segue falando.

Ao final da entrevista, perguntamos: “Se esta entrevista chegasse ao Supremo, ao governo do Estado, à ONU… o que você diria?” Ela respondeu sem hesitar: “olhem pra nós. Escutem a voz da terra. A gente não é invisível. Justiça não é luxo. É direito. Enquanto houver um agricultor sendo humilhado e uma mulher sendo silenciada, o Brasil ainda tem uma dívida com o seu próprio povo.”

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