Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência
Encontro nacional marca denúncias contra o garimpo ilegal, agrotóxicos e avanço de projetos que ameaçam territórios indígenas
Mais de 5 mil mulheres indígenas de todo o Brasil estão reunidas em Brasília para a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, iniciada na noite de segunda-feira (4). O evento, inédito no país, antecede a IV Marcha das Mulheres Indígenas e tem como objetivo discutir políticas públicas, denunciar violações de direitos e fortalecer a luta por proteção territorial e ambiental.
Entre as participantes estão Pangroti Kayapó, 60, e sua neta Nhaikapep, 22, que viajaram por mais de 32 horas de ônibus desde São Félix do Xingu (PA) para participar da mobilização. Elas denunciam os impactos do garimpo ilegal nos rios Fresco, Iriri e Xingu, que atravessam as terras Kayapó e estão contaminados por metais pesados.
“Para que a gente proteja a natureza, pedimos proteção para nós, para nosso ambiente e nossa cultura”, disse Pangroti, por meio da neta, que traduziu do idioma originário para o português.
Mesmo com território demarcado, Nhaikapep relata que a comunidade se sente ameaçada e vulnerável diante do avanço de atividades ilegais.
Participação de ministras e críticas ao PL do Licenciamento Ambiental
A cerimônia de abertura contou com a presença de cinco ministras do governo federal: Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Margareth Menezes (Cultura), Márcia Lopes (Mulheres) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania). Elas reafirmaram o compromisso com políticas públicas voltadas à proteção das mulheres indígenas e seus territórios.
Um dos principais temas discutidos foi o Projeto de Lei 2.159/2021, que trata do licenciamento ambiental. O texto, aprovado pelo Congresso em julho, é criticado por ambientalistas e indígenas por flexibilizar as regras e abrir brechas para a devastação de áreas protegidas. O projeto aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas há forte pressão para que seja vetado.
“Esse projeto enfraquece a luta dos povos indígenas pela preservação da floresta. As mulheres continuam sendo vítimas de racismo, machismo e violência em suas terras”, afirmou Sônia Guajajara.
A ministra informou que será criado um grupo de trabalho interministerial para elaborar estratégias de proteção específicas para mulheres indígenas.
“As mais prejudicadas”: alerta sobre impactos ambientais e violência
A ministra Marina Silva destacou que, apesar de os povos indígenas serem os que mais preservam o meio ambiente, são também os mais afetados pelas mudanças climáticas e pela exploração ilegal.
“Aquelas que menos destruíram são as mais prejudicadas”, afirmou Marina, ressaltando o esforço do governo em remover invasores de oito terras indígenas nos últimos dois anos.
Ela ainda criticou líderes internacionais que impõem barreiras econômicas ao Brasil enquanto ignoram seus próprios compromissos ambientais. “Em vez de fazer guerra contra o clima, fazem guerra tarifária”, disse, em referência ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
Marina também mencionou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que, durante o mandato, foi contrário à demarcação de novas terras indígenas. Bolsonaro teve prisão domiciliar decretada na noite de segunda-feira (4).
Realidade nas aldeias: agrotóxicos e insegurança alimentar
Durante o evento, histórias como a de Soraya Kaingang, 44, chamaram a atenção. Mãe de quatro filhos e moradora da Aldeia Apucaraninha, no Paraná, ela viajou por mais de 20 horas até Brasília. Soraya denuncia o uso intensivo de agrotóxicos em áreas próximas à comunidade, o que afeta diretamente a saúde das crianças e a produção agrícola.
“Quando eu era criança, a gente não via isso. Hoje os pequenos estão expostos. A gente planta milho, feijão, mandioca, mas está cada vez mais difícil”, relatou.
A presidente da Funai, Joênia Wapichana, reforçou a necessidade de que as políticas de proteção às mulheres indígenas estejam contempladas no orçamento da União.
“Temos ações de enfrentamento à violência, mas é preciso ir além. Precisamos dar um basta”, declarou.
Próximos passos
A conferência segue até a próxima quinta-feira (7), quando será realizada a IV Marcha das Mulheres Indígenas pelas ruas de Brasília. A expectativa é que o evento resulte em um documento final com propostas de políticas públicas e diretrizes para a atuação do governo federal junto às comunidades indígenas femininas.(Com informações agência Brasil)