Lei Maria da Penha completa 19 anos: avanço na legislação, retrocesso na proteção

Foto Reprodução

Apesar de considerada uma das leis mais modernas do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher, sua aplicação ainda enfrenta falhas graves. Brasil registra quatro feminicídios por dia.

A Lei Maria da Penha completa 19 anos nesta quinta-feira (7) como um marco histórico na luta pelos direitos das mulheres no Brasil. Reconhecida internacionalmente, inclusive pela ONU, como uma das legislações mais avançadas no combate à violência de gênero, a lei ainda enfrenta dificuldades para sair do papel. O resultado disso é trágico: os números da violência contra a mulher seguem em crescimento.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no mês passado, o país registra, em média, quatro feminicídios por dia e mais de dez tentativas de assassinato diariamente. Em 80% dos casos, o agressor é o companheiro ou ex-companheiro da vítima.

Medidas protetivas falham: mais de 100 mil foram descumpridas

Entre os dados mais alarmantes, está o número de mulheres mortas mesmo sob medidas protetivas de urgência. Nos últimos dois anos, ao menos 121 vítimas foram assassinadas após terem a proteção judicial concedida. Das 555 mil medidas protetivas emitidas em 2024, pelo menos 101.656 foram desrespeitadas pelos agressores, o que expõe a fragilidade da fiscalização e do suporte oferecido pelo Estado.

A medida protetiva é um dos principais instrumentos previstos pela Lei Maria da Penha. Desde 2019, delegados passaram a ter autonomia para concedê-la em situações de urgência, sem depender exclusivamente da Justiça. No entanto, segundo especialistas, a falta de articulação entre os setores responsáveis compromete sua efetividade.

Falta estrutura e rede de apoio

A pesquisadora Isabella Matosinhos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta que a lei, por si só, não é capaz de mudar a realidade. “É preciso uma atuação em rede, com saúde, assistência social e segurança pública trabalhando juntas. Isso raramente ocorre de forma integrada”, afirma.

Ela destaca ainda que os dados disponíveis podem estar subnotificados, já que muitos estados não repassam informações completas sobre o cumprimento das medidas protetivas ou mortes sob proteção.

Violência atinge sobretudo mulheres negras e jovens

Outro recorte preocupante diz respeito ao perfil das vítimas. Segundo o anuário, 63,6% das mulheres assassinadas eram negras, e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos. “São mulheres jovens, negras, mortas dentro de casa por homens com quem se relacionavam. Isso precisa ser enfrentado como uma prioridade nacional”, aponta Isabella.

Avanços e desafios de uma lei histórica

Para a professora Amanda Lagreca, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, é urgente que as instituições públicas compreendam a complexidade da realidade vivida por milhares de brasileiras. “Não basta a lei existir. É necessário que estados e municípios invistam em políticas públicas, capacitação e estrutura para que ela funcione na prática”, defende.

Ela também destaca um dos avanços recentes da legislação: o reconhecimento da violência psicológica como forma de agressão. “Isso permite um olhar mais amplo sobre o sofrimento das mulheres. Mas o enfrentamento da violência não pode se resumir ao aumento de penas. Precisamos investir em educação, prevenção e mudança cultural”, completa.

Educação como ferramenta de transformação

Amanda ressalta que a Lei Maria da Penha é fruto da mobilização da sociedade civil e representa um marco ao reconhecer a violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos. Agora, segundo ela, o desafio é ocupar espaços como escolas, famílias e redes sociais com discursos que desnaturalizem a violência e promovam o respeito.

“É preciso ensinar desde cedo que a sociedade não tolera mais violência contra a mulher. Só assim conseguiremos prevenir os primeiros atos de agressão”, finaliza.

Onde buscar ajuda

Violência doméstica é crime. Se você ou alguém que conhece está em situação de risco, procure ajuda. É possível denunciar:

Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) – Atendimento 24h, gratuito e confidencial.

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)

Polícia Militar (Ligue 190), em caso de emergência

Para solicitar medida protetiva, é necessário apresentar o histórico de violência à autoridade policial ou à Justiça.

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