Aos 42 anos, o peão João Peres Sousa voltou a escrever seu nome na história do rodeio acreano. Vencedor da edição 2025 do rodeio da Expoacre — a mais simbólica de todas, por marcar os 50 anos da feira —, ele subiu ao topo do pódio com a mesma simplicidade com que sempre encarou a vida. Conhecido nas arenas como Carrapicho Branco, o peão representa uma geração que carrega o campo na alma e a montaria no sangue.
Nascido em Rio Branco, mas criado entre as porteiras da BR-364, na região da Califórnia, João é a síntese do Acre profundo que pulsa na divisa com Rondônia. De lá, construiu uma trajetória sem atalhos, marcada por coragem, trabalho duro e fé. O título conquistado este ano — vinte anos depois de sua primeira vitória na mesma arena — é mais do que uma premiação: é uma travessia que conecta passado e presente, esforço e legado.
Do leite tirado à madrugada às arenas lotadas
Filho de sitiantes, João cresceu em meio ao curral e às tarefas do campo. Ainda menino, montava em bezerros com os amigos, sem saber que aquelas brincadeiras improvisadas, muitas vezes sem equipamento, dariam origem a uma carreira de quase 25 anos sobre touros.
O incentivo veio de um amigo da juventude, Francisco Nonato, o Piduca. Juntos, criaram uma pequena arena improvisada no meio do pasto. Quando os bois faltavam, montavam em vacas. Foi assim, no limite da criatividade e com o mínimo de recursos, que João deu os primeiros passos na montaria. “Se fosse esperar o cenário ideal, nunca teria saído do quintal de casa”, costuma dizer, com a sinceridade de quem nunca teve tempo para vaidade.
A primeira grande conquista aconteceu nos anos 2000, quando enfrentou uma boiada imponente em Dimensão (RO) e garantiu o terceiro lugar. Era o início de uma escalada constante. Vieram títulos em Sena Madureira, Buritis, Acrelândia e Humaitá — além da consagração em 2005, quando se sagrou campeão da Expoacre pela primeira vez.
Este ano, exatamente duas décadas depois, João voltou ao centro da arena com mais cabelos brancos e menos ímpeto, mas com a mesma essência. O que o move agora não é só a vontade de vencer, mas o prazer de ver seu filho calçar a fivela que usou em 2005 — a mesma que carregava na cintura durante toda a última competição.
As pausas, as perdas e o renascimento
Nem todo caminho é reto, e João conhece bem os desvios. Viveu uma fase de baixa emocional, perdeu amigos e enfrentou a solidão que costuma acompanhar os bastidores do sucesso. Em 2020, com a chegada da pandemia, decidiu recuar. Afastou-se dos rodeios e se dedicou à família. Achava que o tempo de arena havia passado.
Mas em 2023, um convite inesperado reacendeu a chama. Retornou aos poucos. Primeiro, só para assistir. Depois, arriscou uma montaria. Não conseguiu os oito segundos, mas resgatou a confiança. No mesmo ano, foi vice-campeão da Expoacre e venceu em Sena Madureira. A volta estava decretada.
Para além das fivelas, motos e troféus, João Peres Sousa se orgulha de algo que dinheiro algum pode comprar: ser referência para os mais jovens. Sempre prezou pela ética, pelo respeito e pela solidariedade entre os colegas. Nunca quis brilhar sozinho. Suas falas firmes em defesa da categoria dos peões, inclusive, estão registradas em fóruns, reuniões e bastidores de rodeios pelo Norte.
Hoje, vê a carreira com a serenidade de quem entende que a vitória não está só no pódio, mas no caminho trilhado. “Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje, teria feito muita coisa diferente. Mas tudo tem seu tempo”, reflete.
Com o título de 2025, João sela mais que uma conquista. Ele reafirma sua posição como um dos grandes nomes do rodeio acreano — não apenas pelo que fez na arena, mas pelo que representa fora dela: resiliência, humildade e a certeza de que os verdadeiros campeões não são aqueles que nunca caem, mas os que nunca deixam de levantar. (Com informações da Agência de Notícias)