Esperança no abate: não se trata de boi, mas de sobrevivência

Foto Reprodução

EDITORIAL

Não se trata de boi, mas de sobrevivência

Um Estado que só aparece com arma na mão, ordem de apreensão e discurso pronto não é Estado. É máquina de opressão. E quando ela pisa em cima de famílias humildes, que só querem produzir e viver com dignidade, ajoelhar é o único gesto que sobra.

Foi isso que o Acre assistiu na BR-317: pais de família de joelhos diante de um comboio federal, enquanto seu gado — criado com suor e luta — era levado como se fosse prova de crime. Não houve crime. Houve covardia. Não houve justiça. Houve espetáculo.

A cena diz tudo sobre o país que fingimos não ver: o Brasil onde a floresta é protegida no discurso, mas seu povo é abandonado na prática. Onde se combate a pecuária de subsistência sem oferecer nenhuma alternativa. Onde se diz defender a Amazônia enquanto se pune o único modelo de vida que ainda resiste dentro dela.

É confortável criminalizar o pobre rural. Mais difícil é enfrentar o debate real: as reservas estão em colapso social. O extrativismo tradicional já não basta. A agricultura familiar e a pecuária de pequeno porte viraram a única tábua de salvação — e o Estado, em vez de estender a mão, pisa nela.

Há mais de 20 anos, famílias como a de Seu Gutierre vivem dentro da Reserva Chico Mendes. Nunca receberam título, apoio técnico ou infraestrutura. Mas recebem, agora, a farda, a multa e a vergonha. A operação Suçuarana não é política pública: é omissão travestida de lei.

Não há justiça onde o povo é punido por existir. Não há defesa da floresta onde só quem vive nela é atacado. E não há dignidade possível quando a única resposta do Estado é o silêncio.

A imagem dos homens ajoelhados deveria estar nos gabinetes de Brasília. Emoldurada, se for o caso. Para lembrar aos que decidem que, enquanto houver brasileiros sendo esmagados por um modelo que não reconhece sua existência, não há proteção ambiental — há violência institucionalizada.

E é por isso que o Correio OnLine não se cala. Porque nós sabemos que, naquela terra de barro, o que se ajoelhou não foi só o povo — foi a própria ideia de país justo.

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