A fala do cantor Gusttavo Lima sobre equoterapia durante show realizado em Cruzeiro do Sul, no Acre, gerou grande repercussão entre profissionais da área e entidades que atuam com pessoas com deficiência. Na ocasião, o artista pediu que fazendeiros e donos de haras disponibilizassem seus espaços ao menos uma vez por semana para crianças autistas realizarem atividades com cavalos, como um gesto solidário.
“São gestos simples, é apenas um dia na vida, gente! O cavalo tem o poder de trazer muitos benefícios para as crianças”, disse Gusttavo, ao mencionar experiências semelhantes em Goiás.
A fala, apesar da boa intenção, foi recebida com preocupação por profissionais da área, sobretudo pela forma como a equoterapia foi tratada. Em nota pública, a Associação de Equoterapia “Eu Acredito” – Acre, presidida pelo médico equoterapeuta Marcelo Cordeiro, destacou que a equoterapia é uma terapia reconhecida por lei e não pode ser improvisada.
“Não se trata de um passeio ou atividade solidária. A equoterapia exige equipe multiprofissional, cavalos treinados, infraestrutura adequada e protocolos técnicos. É uma prática terapêutica séria, reconhecida pela Lei nº 13.830/2019”, afirmou Cordeiro.
“Não falta vontade. Falta recurso”
Em conversa com a equipe do Portal Correio OnLine, o presidente da associação explicou que a falta de investimento público é o principal entrave para ampliar o acesso à terapia. “Temos os centros, os cavalos, a equipe, a lei, a necessidade e os praticantes. Só não temos recursos para manter e transformar mais vidas. Hoje, atendemos 360 pessoas com deficiência no Acre, mas temos capacidade para mais de mil vagas”, informou.
Do total de atendimentos semanais, apenas 60 são financiados com recursos públicos — frutos de emenda do deputado Emerson Jarude e contrato com a Prefeitura de Bujari. Os outros 300 atendimentos são mantidos com bolsas custeadas pela própria associação. “Tiramos leite de pedra. Em outros estados, como Roraima e Amazonas, a demanda ainda é maior. Só o valor de um único evento artístico como esse poderia custear até 8 mil sessões terapêuticas”, comparou.
Riscos da prática improvisada
Ainda durante a entrevista ao Correio OnLine, Cordeiro alertou para os riscos que envolvem a prática da equoterapia de forma informal, sem os devidos cuidados técnicos e profissionais. “Já atendemos crianças com histórico de convulsões graves, lesões na coluna, e que precisam de avaliação rigorosa. Improvisar esse atendimento pode colocar vidas em risco. O cavalo é nosso principal terapeuta, mas só funciona se estiver inserido em uma metodologia segura, como preconiza a ANDE-BRASIL.”
A associação atua no Acre há mais de dez anos e já está presente em quase 50% dos municípios. Hoje, mais de 90% dos praticantes são crianças autistas, público que demanda acompanhamento contínuo e qualificado.
Investir em equoterapia é investir em inclusão
Cordeiro defende que a equoterapia seja encarada como política pública prioritária, por seu impacto direto no desenvolvimento infantil, na reintegração social e na formação de uma sociedade mais ativa e inclusiva.
“Sem terapia, o autista perde o direito de evoluir. Daqui a dez anos, vamos sentir os efeitos da omissão do poder público. Estamos deixando de formar cidadãos produtivos. Investir na equoterapia é investir em saúde, educação e inclusão social.”
A associação também trabalha com esportes equestres, promovendo campeonatos e inclusão por meio do paradesporto. “Temos campeões que começaram aqui, em cima de um cavalo. Histórias reais de superação e transformação”, finalizou o presidente.