O que antes era uma das bases da alimentação, da renda rural e da cultura amazônica vem encolhendo de forma silenciosa no Acre. Dados técnicos apontam uma queda expressiva na área plantada de mandioca em várias regiões do estado. A diminuição da produção afeta diretamente a fabricação da farinha e revela uma mudança profunda na lógica produtiva das comunidades agrícolas, marcada por abandono da tradição, falta de mão de obra e busca por alternativas mais lucrativas e menos trabalhosas.
Hoje, para produzir farinha em quantidade, o produtor precisa de até três hectares de roça, além de estrutura para torra, ponto e secagem — um processo trabalhoso, demorado e que depende fortemente da mão de obra familiar, cada vez mais escassa no campo. Jovens têm deixado as propriedades e, com eles, o saber tradicional da farinha também se esvai. Ao mesmo tempo, a goma — mais simples de produzir, com menor custo e maior valor agregado — ganha espaço nas pequenas agroindústrias e mercados locais.
“Hoje, para fazer farinha, eu preciso de três hectares. Pra goma, um já é suficiente. Produz mais, custa menos e dá um terço do trabalho”, explica Joscley Azevedo, técnico da Secretaria de Agricultura que acompanha de perto a cadeia produtiva da mandioca no estado.
Com a queda na produção, a farinha tradicional — um símbolo da mesa amazônica — corre o risco de se tornar artigo raro ou produto gourmetizado, restrito a quem pode pagar. A torra, o cheiro e o ponto ideal, que antes uniam gerações em torno da casa de farinha, agora dão lugar ao processamento rápido da goma, feita de forma industrializada em muitos casos. A nova lógica produtiva está alterando a relação com a terra, com o alimento e com a própria identidade cultural das famílias rurais.
Preocupado com esse cenário, o Estado prepara um plano emergencial para investir cerca de R$ 350 mil no preparo de áreas produtivas e estímulo à retomada da mandioca nas comunidades. A proposta inclui o resgate da produtividade das áreas degradadas, apoio técnico e incentivo à diversificação dos derivados.
“Temos produtores desanimados com a farinha, e isso impacta diretamente a continuidade desse saber tradicional. A goma acaba sendo uma alternativa mais viável economicamente, mas a gente não pode perder a base cultural da mandiocultura”, alerta Joscley Azevedo.
Enquanto a base da produção tradicional desaba, alguns produtores apostam na inovação para manter viva a raiz amazônica. Na Expoacre 2025, um agricultor de Feijó lançou a mandioca chips, nos moldes das batatas industrializadas. O produto foi um sucesso e esgotou ainda durante os primeiros dias de feira. Também chamam atenção a pipoca de mandioca, o café de caroço de açaí, o shampoo de mel e até cosméticos à base de ingredientes da floresta, mostrando que é possível agregar valor sem abandonar a origem.
Mas o paradoxo aparece quando se olha para os países vizinhos. Cerca de 90% da castanha colhida no Acre é exportada in natura para a Bolívia. Lá, ela é transformada em produtos cristalizados, saborizados com chocolate, bacon e outras inovações — e depois volta ao mercado brasileiro com valor muito superior. “A origem é nossa, mas a inovação é deles. A gente manda matéria-prima e compra valor agregado de volta”, lamenta um expositor que acompanhou a movimentação no espaço da indústria durante a feira.
Esse modelo de exportar matéria-prima e importar produtos industrializados tem se repetido em diferentes cadeias produtivas do Acre. E com a mandioca, o risco de repetir esse ciclo é real. Se não houver intervenção estratégica, a floresta continuará sendo celeiro para outros enriquecerem — enquanto os saberes e a renda local desaparecem em silêncio.
