Como morte de jovem em blitz reacendeu ira nas ruas de Paris

Manifestantes se reúnem em praça em Nanterre, nos arredores de Paris, ao lado de veículo incinerado, durante manifestações por morte de adolescente baleado por policial após fugir de blitz na cidade, em 28 de junho de 2023. — Foto Timothee Forget Reuters

A morte de Nahel, um jovem francês de 17 anos baleado por um policial após furar uma blitz nos arredores de Paris, desatou a ira nas ruas de toda a França que já dura três dias e reacendeu um debate adormecido sobre a violência policial nas periferias da capital.

Além de Paris, cidades como Marselha, Lyon, Lille e Tolouse já registraram protestos violentos, e 875 foram presos.

Nahel – cujo sobrenome não havia sido divulgado até a última atualização desta notícia – foi abordado por policiais na noite de terça-feira (27) enquanto dirigia um carro – na França, a lei permite a carteira de habilitação a adolescentes de 17 anos.

Um vídeo mostrou como os policiais o abordaram com armas e, segundos depois, como o jovem acelerou o carro. Um dos oficiais então disparou, e Nahel morreu horas depois pelos ferimentos da bala, que atingiram seu tórax.

Casos desse tipo não são incomuns na França – desde 2022, 13 pessoas morreram em abordagens similares na periferia de Paris, segundo a Promotoria da cidade.

Desta vez, no entanto, os protestos ganharam mais força, motivados pela grande comoção do caso no país – com reações de personalidades desde o presidente Emmanuel Macron ao astro do futebol francês Kylian Mbappé – e com protestos nos Estados Unidos por pessoas negras mortas também em abordagens policiais.

Nahel era filho de uma mãe argelina e pai marroquino, e fazia parte da chamada segunda geração – jovens de pais imigrantes mas que nasceram na França, em maioria de classe média baixa e que, muitas vezes, vivem em um hiato entre a sociedade em que nasceram e o país de origem de seus país.

A França adota um modelo assimilacionista de integração de imigrantes, que, diferentemente do multiculturalismo, prevê a eliminação de traços da cultura de origem de quem passa a viver no país.

Mas o crescimento das migrações de cidadãos das ex-colônias da França na África e no Oriente Médio tem feito governos locais e o nacional do país revisarem essa política, que foi angariando críticas, inclusive da Organização das Nações Unidas (ONU), por uma suposta repressão aos costumes étnicos, culturais e até religiosos das populações estrangeiras.

A alegação é que a integração dos imigrantes é falha com o assimilacionismo. Dados do Atlas Migratório da União Europeia de 2022 mostram que os imigrantes na França vindos de países não europeus, como as ex-colônias, estão entre os que menos recebem educação e oportunidades de trabalho em todo o continente.

Segundo a Eurostat, a agência de estatística do bloco europeu, 40% desses imigrantes têm apenas educação básica, e a taxa de desemprego entre eles em 2022 chegou a 15%, enquanto a de nacionais franceses era de 3% no mesmo ano.

Um dos casos mais emblemáticos dessa política de assimilacionismo foi a proibição do uso do véu islâmico em escolas públicas francesas. Após uma onda de protestos, o então governo anunciou uma revisão da lei, em um dos primeiros indicativos de flexibilização da política de assimilacionismo.

Ainda assim, a segunda geração cresceu em geral excluída em periferias como a de Nanterre, cidade de menos de 100 mil habitantes apenas 15 quilômetros a oeste de Paris onde Nahel cresceu.

A região foi o o berço de uma cultura de reivindicações da classe trabalhadora do país, mas, nas duas últimas décadas, foi abrigando cada vez mais famílias de imigrantes – em maioria, de países africanos que foram colonizados pela França, caso dos pais de Nahel.

Desde a última década, o governo francês vem aplicando uma série de políticas sociais aos jovens da segunda geração. O adolescente morto, que trabalhava como entregador de pizza, estudava para ser eletricista através de um programa de governo, segundo contou sua mãe à imprensa francesa.

Mas Organizações Não Governamentais como a Human Rights Watch vêm denunciando que o comportamento da polícia com jovens da periferia parisiense só vem piorando, e que não há qualquer tipo de treinamento.

Além disso, organizações também criticam a postura do governo atual, que lamentou a morte de Nahel mas está focando suas ações em reprimir os protestos – o presidente Emmanuel Macron considera declarar estado de emergência.

Em 2005, um caso marcou o país, e o governo à época prometeu mudar essa situação. Naquele ano, dois adolescentes negros e também filhos de pais africanos morreram eletrocutados quando fugiam da polícia em Clichy-sous-Bois, ao noroeste da capital francesa.

O governo do então presidente, o conservador Jacques Chirac, decretou estado de emergência, pela primeira vez na França metropolitana. Ele prometeu revisar a abordagem dos policiais, mas os dois oficiais envolvidos no caso acabaram absolvidos dez anos depois.

Algumas decisões judiciais também têm indicado um retrocesso na nova política de integração. Na quinta-feira (29), por exemplo, a Justiça francesa manteve uma decisão de vetar o uso do hijab em jogos de futebol feminino. O caso havia suscitado amplos debates políticos no país.

Apesar da repressão da polícia – o governo anunciou na quinta-feira (29) que colocaria 40 mil policiais nas ruas – os protestos motivados pela morte de Nahel já tomaram cidades de toda a França nas três últimas noites e devem crescer no fim de semana, segundo organizadores.

Grandes manifestações foram convocadas em cidades como Marseille, Nantes e Nice.

(Por g1)

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