ARTIGO
Uma imagem circula. E ela não deveria. Porque o país já deveria ter parado. Estancado. Interrompido os noticiários, as campanhas, os processos. Porque há ali um grupo de homens ajoelhados no asfalto, à noite, com o fogo ao fundo e o vazio à frente.
Eles estão de joelhos. Não por fé. Não por rendição. Estão de joelhos porque é o único gesto que restou quando tudo o que era digno lhes foi arrancado. Eles ajoelharam para tentar segurar com os próprios corpos o que a lei veio tomar: o gado, o pão, o chão. A vida.
Ninguém ajoelha assim por acaso.
A cena aconteceu na BR-317, Acre. Mas podia ser em qualquer beira de estrada onde o Brasil decide quem tem direito à floresta e quem só tem a dor dela. A operação tem nome: Suçuarana. Parece coisa de guerra. E talvez seja.
Do outro lado da estrada estavam as viaturas do ICMBio, o Estado fardado, armado, com ordens de confisco e silêncio. Os homens ajoelhados não tinham nem a chance de argumentar. Tinham apenas seus corpos. Tinham apenas o grito, que ninguém ouve.
Seu Gutierre vive há 23 anos dentro da Reserva Chico Mendes. O nome da reserva homenageia um homem que lutou para que a floresta não fosse engolida pela ganância — mas se estivesse vivo, talvez também se ajoelhasse ali, entre os homens que só querem sobreviver onde nasceram.
Mas hoje a floresta virou discurso. Produto de marketing. Vende bem nos fóruns internacionais, onde falam de carbono e créditos verdes. Aqui, no chão quente da BR, ela vira sentença. Sem defesa. Sem trégua.
A política ambiental que abate bois sem pesar, mas deixa crianças morrerem sem assistência médica, não é política. É barbárie legitimada.
A pecuária de subsistência virou crime. O extrativismo tradicional morreu de fome. E quem continua na floresta sem ser ONG ou drone é suspeito. O Estado não chega com estrada ou escola — chega com câmara frigorífica para abater o que restou.
O mais cruel? Esses homens ainda ajoelham. Ainda pedem. Ainda acreditam que alguém vá olhar para eles.
Mas o Brasil já passou por cima. Como sempre passou.
Talvez um dia essa imagem ganhe prêmio. Vire símbolo. Talvez ilustre livros sobre os conflitos ambientais do século XXI. Mas hoje, ela só dói. Ela só sangra.
Porque quando um povo ajoelha e ninguém para perguntar por quê, a resposta já está dada: ajoelhar é o que resta quando o Estado te pisa com as duas botas.